O Lúpulo e a Maconha são duas substâncias de origem vegetal que exercem fascínio sobre a humanidade há séculos. Uma, é usada em uma bebida milenar apreciada por seu sabor e efeitos sociais; a outra, uma planta envolta em polêmicas, com propriedades medicinais e recreativas. Mas o que essas duas plantas teriam em comum? Este artigo vai explorar essa relação de parentesco, desvendando as semelhanças e diferenças entre essas duas plantas tão distintas e explicando como elas, apesar de primas, seguem caminhos tão divergentes em seus usos e efeitos.
A Família Cannabaceae: Laços Botânicos
O lúpulo (Humulus lupulus) e a maconha (Cannabis sativa) são as duas espécies mais conhecidas da família Cannabaceae. Essa família botânica é relativamente pequena, incluindo cerca de 11 gêneros e 170 espécies de plantas, em sua maioria árvores e arbustos, distribuídas principalmente em regiões temperadas do Hemisfério Norte.
A classificação do lúpulo e da maconha na mesma família é baseada em semelhanças em sua morfologia, anatomia e fitoquímica. Ambas as plantas possuem folhas palmadas, com bordas serrilhadas, e flores pequenas e discretas. Além disso, tanto o lúpulo quanto a maconha produzem resinas aromáticas em glândulas especializadas chamadas tricomas.
Terpenos: Os Compostos Aromáticos que Unem (e Separam) as Primas
Um dos pontos de maior semelhança entre o lúpulo e a maconha reside na produção de terpenos. Os terpenos são compostos orgânicos voláteis responsáveis pelos aromas e sabores característicos de muitas plantas, incluindo frutas, flores e, claro, o lúpulo e a maconha. Esses compostos desempenham um papel fundamental na atração de polinizadores, na defesa contra herbívoros e na proteção contra patógenos.
No lúpulo, os terpenos, juntamente com outros compostos como os ácidos amargos, são os principais responsáveis pelas propriedades sensoriais que a planta confere à cerveja. Terpenos como o mirceno, o humuleno e o cariofileno contribuem com notas herbais, cítricas, florais e amadeiradas, que variam de acordo com a variedade do lúpulo e as técnicas de lupulagem utilizadas na produção da cerveja.
Na maconha, os terpenos também desempenham um papel crucial no aroma e no sabor, mas eles vão além. Estudos científicos sugerem que os terpenos podem interagir com os canabinoides, como o THC e o CBD, modulando seus efeitos no corpo humano. Esse fenômeno é conhecido como “efeito entourage” e sugere que os terpenos podem potencializar ou atenuar os efeitos terapêuticos e psicoativos da maconha.
Embora ambos, lúpulo e maconha, produzam uma variedade de terpenos, existem diferenças significativas em seus perfis terpenóides. Por exemplo, o mirceno é um terpeno comum em ambas as plantas, mas a maconha tende a ter concentrações mais altas desse composto. Além disso, a maconha produz uma gama mais ampla de terpenos do que o lúpulo, o que contribui para a enorme diversidade de aromas e sabores encontrados nas diferentes variedades de cannabis.
THC e Lúpulo: A Diferença Fundamental
Apesar das semelhanças botânicas e da presença de terpenos, o lúpulo e a maconha divergem drasticamente em um aspecto crucial: a presença de tetrahidrocanabinol (THC). O THC é o principal composto psicoativo da maconha, responsável pelos seus efeitos eufóricos e alteradores da percepção. É a presença do THC que torna a maconha uma substância controlada em muitos países.
O lúpulo, por outro lado, não produz THC. Portanto, o consumo de lúpulo ou de cerveja lupulada não causa os efeitos psicoativos associados à maconha. Essa diferença fundamental é o que separa as duas plantas em termos de uso e legalidade.
Usos e Aplicações: Caminhos Divergentes
Enquanto a maconha é conhecida por suas propriedades psicoativas e medicinais, o lúpulo encontrou seu nicho principal na indústria cervejeira. As propriedades amargas, aromáticas e conservantes do lúpulo o tornaram um ingrediente indispensável na produção de cerveja, contribuindo para o sabor, o aroma, a estabilidade da espuma e a vida útil da bebida.
O lúpulo também possui propriedades medicinais, sendo utilizado tradicionalmente como sedativo, ansiolítico e para auxiliar na digestão. No entanto, seu uso medicinal é muito menos difundido do que o da maconha.
A maconha, por sua vez, tem uma longa história de uso medicinal e recreativo. Além dos efeitos psicoativos do THC, a planta contém canabidiol (CBD), um composto não psicoativo que tem atraído crescente interesse por suas potenciais propriedades terapêuticas, incluindo efeitos anti-inflamatórios, analgésicos, ansiolíticos e anticonvulsivantes.
O Lúpulo nas Cervejas IPA: Uma Explosão de Aromas
As India Pale Ales (IPAs) são um estilo de cerveja que se destaca pelo uso intenso de lúpulo, tanto para amargor quanto para aroma. Nas IPAs, especialmente nas American IPAs, os terpenos do lúpulo são os protagonistas, criando uma explosão de aromas que remetem a frutas cítricas, frutas tropicais, pinho, resina e flores. A popularidade das IPAs nas últimas décadas ajudou a popularizar o conhecimento sobre o lúpulo e seus compostos aromáticos entre os apreciadores de cerveja.
A Influência do Parentesco na Percepção Pública
O parentesco entre o lúpulo e a maconha, embora pouco conhecido pelo público em geral, pode gerar curiosidade e até mesmo confusão. É importante ressaltar que, apesar de serem da mesma família botânica, as duas plantas possuem características e efeitos distintos. O lúpulo não é uma “maconha disfarçada”, nem a cerveja é uma “bebida de maconha”.
No entanto, o conhecimento sobre esse parentesco pode contribuir para uma maior compreensão da complexidade do reino vegetal e das diversas formas como as plantas podem ser utilizadas pelos seres humanos. Além disso, pode abrir caminho para pesquisas científicas que explorem as propriedades de ambas as plantas e suas possíveis aplicações em diferentes áreas, da medicina à indústria.
O parentesco entre o lúpulo e a maconha é um exemplo fascinante de como plantas da mesma família botânica podem evoluir para ter características e usos tão distintos. Embora compartilhem similaridades em sua estrutura e na produção de terpenos, a ausência de THC no lúpulo é o fator determinante que separa essas duas primas em termos de efeitos e aplicações. Enquanto o lúpulo se consagrou como um ingrediente essencial na indústria cervejeira, a maconha segue um caminho mais complexo, marcado por debates sobre sua legalização e seu potencial medicinal. Compreender a relação entre essas duas plantas nos convida a apreciar a diversidade e a complexidade do mundo natural e a explorar as múltiplas formas como as plantas podem nos surpreender e beneficiar.
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Fontes
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